Administrador Judicial Moderno
Por Daniel Carnio Costa
A Lei 11.101/05, no seu art. 22, I, II, e II, define quais são as funções a serem desempenhadas pelo administrador judicial na condução de um processo de insolvência empresarial (falência ou recupereração de empresas).
A definição legal observa o fato de que o processo de insolvência empresarial é estruturado em duas linhas de trabalho paralelas e simultâneas. Por essa razão, devem ser chamadas de funções lineares do administrador judicial.
Há a linha de trabalho comum à falências e recuperações judiciais (art. 22, inc I) e há também as linhas de trabalho específicas da falência e da recuperação (art. 22, inc. II e III, respectivamente).
É função transversal do administrador judicial atuar como mediador de conflitos entre credores e devedora Mas, além das funções lineares, o administrador judicial deve exercer outras funções que não estão expressamente previstas em lei, nem são relacionadas diretamente às linhas de trabalho já definidas em lei, mas que decorrem da interpretação adequada da Lei.
Deve-se garantir que o procedimento de insolvência atinja os seus objetivos com eficiência. Assim, na recuperação judicial, deve-se garantir a preservação dos benefícios econômicos e sociais que decorrem da atividade empresarial (geração de rendas, empregos, recolhimento de tributos, circulação de produtos, serviços e riquezas) através da criação de um ambiente transparente e de confiança, de modo a viabilizar a negociação entre credores e devedores de um plano de recuperação da empresa em crise.
Já na falência, deve-se garantir os mesmos valores, mas através da venda da empresa em bloco (preservando diretamente os empregos, rendas, tributos, circulação de produtos, serviços e riquezas) ou por meio da venda de ativos - permitindo que ativos vinculados à atividades improdutivas, passem a ser utilizados no desenvolvimento de outras atividades empresarias geradoras daqueles mesmos benefícios econômicos e sociais. Entretanto, esses objetivos somente serão atingidos, com eficiência, se o administrador judicial atuar de forma comprometida com o resultado do processo, exercendo funções que vão além daquelas expressamente previstas em lei e que perpassam simultaneamente as duas linhas de trabalho paralelas e simultâneas previstas para os procedimentos falimentares e recuperacionais. Essas novas funções do administrador judicial devem ser chamadas de funções transversais.
É função transversal do administrador judicial agir verdadeiramente como auxiliar do juízo na condução do processo (e não como advogado que se manifesta nos autos mediante intimação). Assim, deve o administrador judicial estar em permanente contato com o magistrado, alertando-o de fatos e circunstâncias relevantes do processo, mesmo que não tenha sido intimado para tanto. Deve o administrador judicial fiscalizar o cumprimento dos prazos processuais por todos os agentes envolvidos no caso, alertando o juízo com a antecedência necessária para que as questões sejam decididas tempestivamente.
Assim, não deve o administrador judicial aguardar que a serventia judicial certifique o decurso de determinado prazo e publique a referida certidão para somente depois disso requerer ao juiz a providência necessária ao bom andamento do feito. O atraso resultante da burocracia judiciária e do excesso de trabalho das serventias judiciais certamente impactará negativamente o resultado do processo. Por isso que o administrador judicial deve agir de forma a neutralizar esse atraso, antecipando ao magistrado a ocorrência desses fatos processuais relevantes e garantindo a tempestividade e a efetividade das decisões judiciais.
Também é função transversal do administrador judicial atuar como mediador de conflitos entre credores e devedora. O acompanhamento muito próximo da evolução do processo pelo administrador judicial vai permitir que possa identificar os gargalos da negociação entre credores e devedora. Nesse sentido, poderá o administrador judicial, sempre mediante autorização e supervisão judicial, agir como um catalizador de consensos, mediando conflitos pontuais e permitindo que o processo atinja os seus objetivos maiores. Daí que poderá o administrador judicial requerer a realização de audiências com o juiz do feito ou mesmo sessões de mediação e conciliação.
A atividade de fiscalização das atividades da empresa em recuperação judicial deve ser feita de forma a assegurar a transparência necessária ao sucesso das negociações entre credores e devedores. Daí que é função transversal do administrador judicial produzir relatórios consistentes de fiscalização da empresa, o que impõe a necessária conferência dos dados apresentados pela devedora.
Nesse diapasão, por exemplo, não faz sentido que o administrador judicial, no exercício de suas funções fiscalizadoras, limite-se a colher os dados que lhe são fornecidos pela empresa e os repasse ao processo para conhecimento do juiz e dos credores. Deve o administrador judicial elaborar o seu relatório, conferindo os dados que foram fornecidos pela empresa devedora. O administrador judicial deve exercer função análoga a de auditor, na medida em que deverá conferir a base dos dados informados pela devedora, cotejando os dados com a realidade de atuação da empresa.
Agindo assim, o administrador judicial exercerá sua função de forma plena e será um agente fundamental para o sucesso do processo de insolvência, garantindo a preservação dos tão desejados (e necessários) benefícios econômicos e sociais que decorrem da atividade empresarial.
Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ª Vara de Falências, Recuperações Judiciais e Conflitos Relacionados à Arbitragem de São Paulo, mestre pela Fadisp e doutor em direito pela PUC-SP, master on comparative Law pela Samford University (USA), pós-doutorando na Universidade de Paris 1 (Sorbonne), professor de direito comercial da PUC-SP
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