Processo que bloqueou R$ 778 milhões de Thor
Batista, filho de Eike, identificou envio de recursos a paraísos fiscais
Por Fernando Scheller e Mônica Scaramuzzo
28 de agosto de 2019 | 10h30
Um processo que bloqueou R$ 778 milhões de Thor
Batista, filho de Eike Batista, tenta traçar o caminho dos recursos que o
ex-megaempresário enviou para o exterior. A ação, movida pelo advogado Bernardo
Bicalho, administrador judicial da mineradora MMX, tem o objetivo de garantir o
ressarcimento total aos credores da companhia em recuperação judicial, mas
cumpre também outra função: a de revelar offshores em paraísos fiscais que
cumpririam o papel de ocultar recursos em um momento em que o império de Eike
ruía.
Os argumentos do processo para pedir o bloqueio dos
bens de Thor – determinado liminarmente pela juíza Cláudia Helena Batista, da
1.ª Vara da Fazenda Empresarial de Belo Horizonte e confirmado por três
desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) – trazem
evidências da tentativa de ocultar patrimônio com um emaranhado de pessoas
jurídicas em paraísos fiscais, que não questionam a origem de recursos.
Embora o bloqueio tenha sido confirmado, o mérito
da ação ainda não recebeu sentença de primeira instância. E, apesar de os
advogados acreditarem que a família de Eike tenha, nas contas offshore, os
recursos necessários para cobrir o bloqueio, eles dizem que o processo de busca
por esse dinheiro ainda está em curso. Uma fonte próxima a Eike Batista disse,
no entanto, que o empresário “nem de longe” tem recursos suficientes para
cobrir essa dívida.
Além de Thor Batista, que até 2013 era dependente
de Eike, a decisão inclui outras seis pessoas jurídicas, sendo quatro delas com
sede em paraísos fiscais: a Meisterschaft Holding (em Belize), a Aux Luxembourg
Sarl e a Aux LLC (ambas em Luxemburgo) e a 63X Master Fund (Ilhas Cyman). As
outras companhias listadas são a holding EBX, controladora da MMX localizada no
Rio de Janeiro, e a OTX Fund LLC, dos EUA.
No auge do Grupo “X” – que também controlava ainda
negócios como a OGX, de petróleo, a OSX, de construção naval, e a LLX, de
logística –, o empresário brasileiro chegou a ser considerado o 7º homem mais
rico do mundo em 2012, com fortuna estimada em US$ 34,5 bilhões.
Fraude
O administrador judicial da MMX diz que o bloqueio
de ativos tem o objetivo de garantir que ex-donos de empresas em recuperação
judicial não possam cometer fraudes para ocultar patrimônio. Para Bicalho, os
credores não devem ser obrigados a dar gordos descontos na dívida, que podem
chegar a 80%, caso o controlador do negócio em crise tenha cometido algum crime
e tenha um patrimônio pessoal elevado – realidade que ele acredita se encaixar
no caso de Eike Batista.
O administrador argumenta que os credores da MMX
devem ser ressarcidos integralmente – o valor de R$ 778 milhões do bloqueio se
refere à atual dívida da mineradora, sem os descontos negociados no plano de
recuperação já aprovado.
A fraude na MMX, segundo o processo, se configura
de diferentes formas. Começa pela divulgação de falsas perspectivas de
produção: em 2006, ao abrir capital, a mineradora anunciou a intenção de
multiplicar sua produção de minério de ferro, superando as 36 milhões de
toneladas. Mais tarde, a meta foi reiterada e estabelecida para o ano de 2016.
O “pico” de produção da mineradora, no entanto, foi
de pouco menos de 7,7 milhões de toneladas de minério de ferro, em 2010. Depois
disso, os números só caíram até zerarem, cinco anos depois. Hoje, a MMX está em
recuperação judicial, mas não opera e nem emprega ninguém. O administrador
judicial diz que a antiga “Vale de Eike” hoje se resume a uma sala de dez
metros quadrados em Belo Horizonte.
No entanto, Bicalho lembra que Eike Batista sabia
que esse potencial jamais poderia ser atingido. “Não obstante já houvesse, em
2009, um parecer de consultoria especializada concluindo pela incerteza com
relação ao potencial minerário, tal informação jamais foi transmitida ao
mercado”, argumenta a ação.
Como hoje se sabe, a produção da MMX nunca cresceu
de forma significativa. Não foi um caso isolado: o mesmo ocorreu com a OGX,
empresa da área de óleo e gás, que propagou metas ousadas jamais cumpridas. A
ação afirma que Eike vendeu papéis da MMX na época de euforia do mercado
financeiro, sabendo que a baixa inevitavelmente viria.
Segundo o processo, o lucro do empresário com a
venda de ações da mineradora, na época das falsas alegações de capacidade
minerária, foi de R$ 634,4 milhões. Dentro das investigações da Operação
Segredo de Midas, desdobramento da Lava Jato, Eike chegou a ser preso no início
deste mês. Ele é investigado por suposta manipulação do mercado de ações.
Caminho do dinheiro
Mas por que o envio do dinheiro ao exterior não foi
detectado antes? Segundo o advogado Rodrigo Kaysserlian, presidente do
Instituto Brasileiro de Rastreamento de Ativos e auxiliar de Bicalho no
processo relativo à recuperação judicial da MMX, a venda de ações era feita por
meio da estrutura propositalmente complexa que Eike montou para seus negócios.
No caso da MMX, a empresa operacional (dona das
minas) era denominada MMX Sudeste e controlada pela holding MMX (que emitia as
ações em Bolsa). Essa holding, por sua vez, tinha como controladores Eike
Batista (como pessoa física) e duas pessoas jurídicas: a Mercato e a offshore
Centennial.
A Centennial, segundo os advogados, seria o
primeiro elo da cadeia de envio de dinheiro ao exterior na estratégia de
aproveitar a bonança passageira para estocar recursos para a tempestade
inevitável que viria quando a empresa não cumprisse as metas ambiciosas que
havia propagandeado.
Segundo o processo, a Centennial, que originalmente
obteve os recursos financeiros com a venda das ações da MMX, passou a abastecer
o fundo 63X (com sede nas ilhas Cayman). Esse fundo, por sua vez,
posteriormente repassou dinheiro para outra offshore, localizada em Belize, a
Meisterschaft.
A Meisterschaft – palavra que, em alemão, quer
dizer “campeonato” – surgiu bem depois da Centennial, que fez parte da criação
da holding MMX, em 2005. Segundo as investigações do processo, a empresa foi
aberta por Thor Batista depois de uma doação de R$ 130 milhões em espécie
recebida do pai em 2013.
Thor, logo após receber o dinheiro, foi aos Estados
Unidos, em janeiro de 2014, contratou um advogado em Miami e abriu a
Meisterschaft em Belize. Isso ocorreu meses antes de a MMX pedir recuperação
judicial.
Tanto a criação de estruturas jurídicas complexas
quanto doações de grandes somas em dinheiro de pai para filho não são, por si,
ilegais. No entanto, Kaysserlian diz que isso não quer dizer que estruturas
aparentemente legais não possam ser usadas para facilitar fraudes, como ele
acredita ter ocorrido nesse caso.
“Toda a fraude financeira é revestida de alguma
forma de legalidade”, diz Kaysserlian. “O repasse ao filho não é ilegal, desde
que a doação não seja uma forma de proteger recursos que são devidos a terceiros.”
Outro processo que corre nos EUA pede o bloqueio de
todas as pessoas jurídicas relacionadas a Eike e seus parentes no mundo. Tanto
Bicalho quando Kaysserlian afirmam acreditar que a estrutura de offshores que
receberam repasses de recursos que tiveram origem na venda de ações da MMX ou
de outras empresas do grupo EBX é bem mais complexa do que a apresentada no
processo contra Thor Batista. “Podem ser dezenas ou até centenas de pessoas
jurídicas”, diz Bicalho.
Disputa pelo
dinheiro
A disputa pelo dinheiro de Eike – independente do
valor que ainda reste nas mãos do empresário – está aquecida. A Justiça
bloqueou, no início deste mês, R$ 1,6 bilhão do empresário e de seus dois
filhos, Thor e Olin. A medida foi solicitada pelo Ministério Público Federal,
no âmbito da Operação Lava Jato.
Além dos processos ligados às outras empresas do
grupo, a holding que controla a MMX teve a falência decretada pela Justiça do
Rio de Janeiro na semana passada. No entanto, também se trata de uma decisão da
qual cabe recurso.
O administrador judicial da MMX, no entanto, espera
ter prioridade no recebimento dos valores. Para sair na frente, conta com a
jurisprudência estabelecida no caso do Banco Santos. Segundo Bicalho, embora o
argumento de que Eike Batista deva compensar o País como um todo pelos
prejuízos de seu grupo econômico seja válido, as pessoas que prestaram serviços
ou forneceram produtos sem receber o valor devido devem ser ressarcidas antes.
Foi o que aconteceu no caso do banco controlado por
Edemar Cid Ferreira. Nesse caso, tanto os bens da instituição quanto os do
controlador estão sendo vendidos, com o valor arrecadado repassado aos credores
diretos. É o que Bicalho espera que ocorra no caso da MMX, cujo processo ainda
está em primeira instância e cuja conclusão deve se arrastar por anos.
O procurador de falências Eronides Rodrigues dos
Santos, do Ministério Público de São Paulo, que participou do rastreamento de
ativos do Banco Santos – conseguindo um acórdão no Superior Tribunal de Justiça
(STJ) que garantiu a preferência aos credores diretos da instituição perante o
ressarcimento a processos criminais –, diz acreditar que a mesma lógica possa
ser aplicada ao caso da MMX.
Embora os credores da MMX já tenham aprovado uma
recuperação judicial com desconto, essa realidade pode ser modificada caso
fique provado que a decisão tenha sido tomada a partir de uma base falsa. Ou
seja: caso agora fique provada a existência de recursos de que não se tinha
conhecimento anteriormente, o acordo da recuperação pode revertido.
“Só faz sentido o Estado ter prioridade no recebimento de recursos em crimes contra a sociedade, como o tráfico de drogas”, diz o procurador de falências. “Do contrário, a prioridade deve ser das vítimas diretas da empresa em questão.”
Outro lado
Procurado, o advogado de Thor Batista no caso não quis se posicionar. A reportagem também procurou o advogado que representa o empresário Eike Batista, mas não recebeu retorno.
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